terça-feira, 22 de novembro de 2016

A exclusividade da Globo nas transmissões


A Copa do Mundo mexe com a nossa memória afetiva. O Brasil de 82 ainda vivia a ditadura, mas os tempos eram outros. Naquele ano, a população iria às urnas escolher os governadores e dois anos depois participaria da campanha das "Diretas Já". Em meio à grave crise econômica, a Copa de 82 gerou um clima de euforia, principalmente pelas exibições de gala da seleção de Telê Santana. Até hoje, aquela equipe é reverenciada. Zico, Falcão, Sócrates, Éder, Júnior, Cerezzo e outros craques formavam a melhor geração de jogadores desde 1970. 

Pela primeira vez, uma emissora de televisão do país teve exclusividade nas transmissões da Copa. O número de seleções participantes saltou de 16 para 24. Dos 52 jogos, 41 foram transmitidos ao vivo.

Aqui uma raridade: a vinheta de abertura das transmissões da Globo (criada por Hans Donner) e os comerciais da época (imagens do acervo pessoal do autor).




Uma reportagem do Estadão explica a exclusividade da Globo nas transmissão da Copa de 1982:


Um texto publicado no site do SBT ajuda a entender a polêmica na época envolvendo a exclusividade da Globo. A emissora que quisesse transmitir o mundial deveria ser filiada a OTI (Organização da Televisão Ibero-Americana). A Globo, a Record, a Cultura, a Bandeirantes e a Tupi - falida em 80 -  eram associadas. As emissoras poderiam ter direito à compra da Olimpíada de 1980, em Moscou, e também a Copa na Espanha. A Cultura cedeu o sinal da Olimpíada para emissoras afiliadas do Sistema Brasileiro de Televisão mediante pagamento da TVS, de Silvio Santos. O empresário pensou, então, que que teria também o direito de retransmitir a Copa. Não era bem assim.  A Cultura teria que pagar 40 milhões de cruzeiros. A Bandeirantes desistiu da Copa e o valor dobrou para 80 milhões de cruzeiros, restando apenas a Globo os direitos de transmissão. A emissora então cedeu gratuitamente as imagens para a TV Cultura que simplesmente retransmitiria o sinal. Um dos objetivos era atingir o público de estados em que a Globo não chegava (vemos acima Bahia, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte e Pará). As emissoras educativas virariam, portanto, meras repetidoras da Globo. Aqui o protesto do SBT:

http://www.sbtpedia.com.br/2014/05/cartas-e-cartazes-n-97-afiliadas-do-sbt.html

Abaixo, uma chamada da TV Cultura que na época usava a sigla RTC (Rádio e Televisão Cultura), destacando as transmissões da Copa com imagens e áudios "gentilmente" cedidos pela Globo:




A Globo alertava que iria fiscalizar possíveis exibições das partidas com cobrança de ingresso:




O dia dia da Copa de 82 na TV


Mais uma vez fui aos jornais para resgatar os horários e os jogos transmitidos pela televisão em 1982. Como já destacamos, a Globo transmitiu 41 partidas ao vivo. O narrador principal era Luciano do Valle. Galvão Bueno, que saiu da Bandeirantes, e Carlos Valadares eram os outros locutores. Entre os comentaristas, os destaques eram Márcio Guedes e Sérgio Noronha. As transmissões evoluíam. Leo Batista e Fernando Vanucci apresentavam o intervalo, direto do centro de imprensa, em Madrid. 



A Copa começou em 13 de junho com a vitória da Bélgica sobre a Argentina, por 1 a 0. Os argentinos eram os campeões do mundo e contavam com a genialidade de Maradona. Aqui um recorte da grade de programação da TV:



No segundo dia de competição, a Itália empatou com a Polônia, 0 a 0, e a seleção brasileira estreou com uma vitória, de virada, diante da URSS, 2 a 1. Na chamada dos jornais, a informação de que a Cultura, canal 2, também exibiria a partida: 


A TV Cultura exibia a mesma transmissão da Globo; apenas colocava na imagem a identificação RTC. A Globo contava com uma câmera exclusiva e, a cada gol do Brasil, aparecia a assinatura do jogador.


No dia 15, mais dois jogos ao vivo: Peru 0 a 0 Camarões, Escócia 5 a 2 Nova Zelândia. À noite, a Globo exibiu o compacto de Hungria 10, El Salvador 1, até hoje a maior goleada em Copas do Mundo.

Em 16 de junho de 82, a Inglaterra venceu a França por 3 a 1. Já a Espanha, dona da casa, ficou em um empate frustrante com Honduras (1 a 1). À noite, foi exibido o compacto da derrota surpreendente da Alemanha para a Argélia (2 a 1):



Nos jogos de 17 de junho, o Chile perdeu para a Áustria por 1 a 0, a Iugoslávia empatou por 0 a 0 contra a Irlanda. À noite, foi exibido um compacto de Tchecoslováquia a Kwait (1 a 1).


No dia seguinte, em 18 de junho, mais um empate frustrante para a Itália: 1 a 1 contra o Peru. Já a seleção brasileira deu um show diante da Escócia: 4 a 1. O jogo, às 16hs, foi exibido também em compacto às 22h15.


Ainda no dia 18, a Argentina se recuperou da derrota na estreia e venceu a Hungria por 4 a 1. Jogo foi exibido apenas em compacto no dia seguinte, à noite. Em 19 de de junho, a TV exibiu, ao vivo, o empate entre Polônia e Camarões, 0 a 0, e a vitória da URSS sobre a Nova Zelândia por 3 a 0. O dia ainda teve a partida em que a Bélgica passou por El Salvador: 1 a 0. A partida foi exibida em compacto à noite. 


Em 20 de junho, os espanhóis venceram a Iugoslávia por 2 a 1. A Alemanha também se recuperou com uma goleada sobre o Chile por 4 a 1. O dia ainda teve a vitória da Inglaterra sobre a Tchecoslováquia por 2 a 0.


Nos jogos do dia seguinte, 21 de junho, destaque para a vitória da França, de Platini, sobre o Kwait por 4 a 1. Essa partida entrou para a história por um caso inusitado. Um sheik entrou no gramado para reclamar de um gol irregular. O árbitro acabou anulando a jogada. Já a Irlanda empatou com Honduras, 1 a 1, e a Argélia perdeu para a Áustria por 2 a 0.



No dia 22, mais três jogos ao vivo. A Polônia, que repetiria 1974, ao terminar a Copa em terceiro lugar, goleou o Peru por 5 a 1. Pelo grupo do Brasil, URSS e Escócia empataram por 2 a 2. Bélgica e Hungria ficaram no 1 a 1.



A Itália empatou o terceiro jogo seguido na Copa: 1 a 1 contra Camarões, mas se classificou. A Argentina  derrotou El Salvador, 2 a 0. Neste mesmo dia 23 de junho, a seleção brasileira goleou a fraca Nova Zelândia por 4 a 0. Zico e Falcão deram um show em campo. O time de Telê Santana terminou a primeira fase em primeiro lugar no Grupo 6.



Em 24 de junho, mais definições: a França empatou com a Tchecoslováquia por 1 a 1, mas garantiu vaga próxima fase. O dia ainda teve as vitórias da Iugoslávia sobre Honduras, 1 a 0, e da Argélia sobre o Chile (3 a 2). A TV exibiu ainda um compacto do jogo do dia anterior entre Argentina e El Salvador. 


No dia 25, Alemanha e Áustria fizeram um jogo de compadres. A Alemanha vencia por 1 a 0, resultado que classificaria as duas equipes para a fase seguinte. Os dois times ficaram tocando bola, esperando o tempo passar. Já a Espanha perdeu para a Irlanda do Norte, por 1 a 0, mas se classificou. Os ingleses passaram pelo Kwait, 1 a 0, e ficaram em primeiro lugar do grupo.



A fase seguinte da Copa começou no dia 28 de junho. Como já destacamos, o mundial de 82 foi o primeiro a ter 24 seleções. O regulamento não previa jogos eliminatórios nas oitavas e quartas de final. As 12 seleções classificadas (originalmente eram seis grupos, com quatro equipes e duas classificadas em cada) foram divididas em quatro triangulares. Os times vencedores de cada disputaram as semifinais: 

Grupo A - Polônia, União Soviética e Bélgica.
Grupo B - Alemanha, Inglaterra e Espanha.
Grupo C - Itália, Brasil e Argentina.
Grupo D - França, Áustria e Irlanda.

No dia 28, a França venceu a Áustria (1 a 0), e a Polônia passou pela Bélgica (3 a 0).


No dia seguinte, A Itália venceu o primeiro jogo na Copa: ganhou dos atuais campeões do mundo (2 a 1). Já Alemanha e Inglaterra ficaram no 0 a 0.


A Copa avançou o mês de julho. No dia primeiro, Áustria e Irlanda do Norte empataram por 2 a 2, e a URSS derrotou a Bélgica por 1 a 0.


No dia 2 de julho, a seleção brasileira conquistou uma vitória histórica diante da Argentina, em Barcelona: 3 a 1. Já a Alemanha passou pela Espanha por 2 a 1.



Já no dia 4, os franceses golearam a Irlanda por 4 a 1 e Polônia e URSS ficaram no 0 a 0.


5 de julho de 82. Os brasileiros acordaram naquela segunda-feira em meio a faixas e bandeiras coloridas. O duelo contra os italianos começaria as 12hs. Um simples empate, garantiria o time de Telê na semifinal da Copa. Aqui, a grade de programação.

Em um jogo histórico, no estádio Sarriá, em Barcelona, a seleção sofreu três gols de Paolo Rossi e foi eliminada da Copa (3 a 2). O mundo do futebol não acreditava no que estava vendo. No dia seguinte, a foto histórica de capa do Jornal da Tarde






No outro jogo do dia cinco, Espanha e Inglaterra ficaram no 0 a 0 e  os donos da casa estavam eliminadas da Copa do Mundo.

As semifinais do dia 8 de julho foram exibidas, ao vivo, pela Globo e com a transmissão simultânea pelas emissoras educativas: 


A Itália, que fez uma campanha pífia na primeira fase, chegou a final depois de uma vitória por 2 a 0 sobre a Polônia. A outra semifinal foi histórica. Alemanha e França empataram por 3 a 3. Nos pênaltis, os alemães derrotaram os adversários (5 a 4).

O terceiro lugar foi disputado em 10 de julho. Vitória da Polônia sobre a França por 3 a 2.




Aqui a chamada publicada pela Folha de S.Paulo, anunciando a transmissão da final a partir das 15hs (horário de Brasília).




A Itália venceu a Alemanha por 3 a 1, no dia 11 de julho, e conquistou a Copa pela terceira vez, igualando os três títulos da seleção brasileira. O time de Enzo Bearzot, que foi tão criticado, tirava o país de uma fila de 44 anos (a  Itália tinha sido campeã em 34 e 38).

O RÁDIO NA COPA DE 82



Não tem como contar a história do rádio esportivo na Copa de 82 sem começar pela Rádio Record. Como vimos acima, a Globo conseguiu exclusividade nas transmissões da TV. Já a Record fez uma jogada de marketing importante. Espalhou cartazes e chamadas nos jornais com a frase: "tire o som da sua TV e ligue na Record". Até aí uma tática normal. Em outras Copas, com o espaço cada vez maior ocupado pela TV, as emissoras também colocavam anúncios nos jornais com essa frase. Mas a estratégia da Record foi arrasadora. Fez uma transmissão de TV no rádio. Escalou Silvio Luiz. As narrações irreverentes conquistavam cada vez mais o público que tinha uma alternativa ao formato quadrado da Globo. O comentarista era Pedro Luiz Paoliello, que marcou época na narração esportiva no rádio. Flávio Prado, hoje da Jovem Pan, fazia as reportagens. 

Abaixo, as chamadas das emissoras de rádio durante a Copa de 82: Jovem Pan, Bandeirantes, Globo e a própria Record.

Dia 3, abertura da Copa: 



Rádio Globo do Rio que contava com os veteranos do microfone: Waldir Amaral e Jorge Curi.







Dia 14 de junho. Osmar Santos, da Globo, era o titular em São Paulo.


Jogos do dia 15:



A Jovem Pan anunciava o Jornal de Esportes:

Dia 16: 




Partidas do dia 17 de junho:





Em 18 de junho, a seleção volta a campo: 








Duas chamadas da Record em 18 de junho: 




19 de junho de 82:





Partidas do dia 22:





Dia 22 de junho. Chamada para o duelo contra a Nova Zelândia:








Partidas do dia 24:




Jogos no dia 25




A Copa entra em julho. Jogos do dia primeiro:







Partidas de 2 de julho. Destaque para Brasil e Argentina:






Jogos do dia 4 de julho:





O dia 5 de julho caiu em uma segunda-feira. O Estadão, que trazia as chamadas das rádios, não circulava às segundas. Em O Globo:




Aqui, a chamada da semifinais, dia 8 de julho: 






Chamada do dia 10 de julho: decisão do terceiro lugar.


Chamadas da finalíssima: 11 de julho de 82.





Aqui, reportagens da Placar que destacam como seriam as transmissões do rádio e da TV na Copa de 82: 







TABELA COPA DE 1982


GRUPO 1

14/06/1982 Vigo: Itália 0 x 0 Polônia
15/06/1982 La Coruña: Peru 0 x 0 Camarões
18/06/1982 Vigo: Itália 1 x 1 Peru
19/06/1982 La Coruña: Polônia 0 x 0 Camarões
18/06/1982 La Coruña: Polônia 5 x 1 Peru
18/06/1982 Vigo: Itália 1 x 1 Camarões

GRUPO 2

16/06/1982 Gijón: Alemanha Oc. 1 x 2 Argélia
17/06/1982 Oviedo: Chile 0 x 1 Áustria
20/06/1982 Gijón: Alemanha Oc. 4 x 1 Chile
21/06/1982 Oviedo: Argélia 0 x 2 Áustria
24/06/1982 Oviedo: Argélia 3 x 2 Chile
25/06/1982 Gijón: Alemanha Oc. 1 x 0 Áustria

GRUPO 3

13/06/1982 Barcelona: Argentina 0 x 1 Bélgica
15/06/1982 Elche: Hungria 10 x 1 El Salvad.
18/06/1982 Alicante: Argentina 4 x 1 Hungria
19/06/1982 Elche: Bélgica 1 x 0 El Salvador
22/06/1982 Elche: Bélgica 1 x 1 Hungria
23/06/1982 Alicante: Argentina 2 x 0 El Salvador

GRUPO 4

16/06/1982 Bilbao: Inglaterra 3 x 1 França
17/06/1982 Valladolid: Tchecoslováq. 1 x 1 Kuait
20/06/1982 Bilbao: Inglaterra 2 x 0 Tchecoslováq.
21/06/1982 Valladolid: França 4 x 1 Kuait
24/06/1982 Valladolid: França 1 x 1 Tchecoslováq.
25/06/1982 Bilbao: Inglaterra 1 x 0 Kuait

GRUPO 5

16/06/1982 Valência: Espanha 1 x 1 Honduras
17/06/1982 Zaragoza: Iugoslávia 0 x 0 I. do Norte
20/06/1982 Valência: Espanha 2 x 1 Iugoslávia
21/06/1982 Zaragoza: Honduras 1 x 1 I. do Norte
24/06/1982 Zaragoza: Honduras 0 x 1 Iugoslávia
25/06/1982 Valência: I. do Norte 1 x 0 Espanha

GRUPO 5

14/06/1982 Sevilha: Brasil 2 x 1 URSS
15/06/1982 Málaga: Escócia 5 x 2 N. Zelândia
18/06/1982 Sevilha: Brasil 4 x 1 Escócia
19/06/1982 Málaga: URSS 3 x 0 N. Zelândia
22/06/1982 Málaga: URSS 2 x 2 Escócia
23/06/1982 Sevilha: Brasil 4 x 0 N. Zelândia

SEGUNDA FASE

GRUPO A

28/06/1982 Barcelona: Polônia 3 x 0 Bélgica
01/07/1982 Barcelona: Bélgica 0 x 1 URSS
04/07/1982 Barcelona: Polônia 0 x 0 URSS

GRUPO B

29/06/1982 Madri: Alemanha Oc. 0 x 0 Inglaterra
02/07/1982 Madri: Alemanha Oc. 2 x 1 Espanha
05/07/1982 Madri: Espanha 0 x 0 Inglaterra

GRUPO C

29/06/1982 Barcelona: Itália 2 x 1 Argentina
02/07/1982 Barcelona: Argentina 1 x 3 Brasil
05/07/1982 Barcelona: Itália 3 x 2 Brasil

GRUPO D

28/06/1982 Madri: Áustria 0 x 1 França
01/07/1982 Madri: Áustria 2 x 2 I. do Norte
04/07/1982 Madri: França 4 x 1 I. do Norte

SEMIFINAL

08/07/1982 Barcelona: Polônia 0 x 2 Itália
08/07/1982 Sevilha: Alemanha Oc. 3 x 3 (5 x 4) França

TERCEIRO LUGAR

10/07/1982 Alicante: Polônia 3 x 2 França

FINAL

11/07/1982 Madri: Itália 3 x 1 Alemanha



Fontes consultadas: 


- Acervo dos jornais Folha de S.Paulo e Estadão (junho/julho de 1982);

- Acervo da Placar (junho/julho de 1982);

- Acervo dos jogos da Copa de 82 (arquivo pessoal do autor);


O AUTOR




Thiago Uberreich é formado em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1999). Começou a carreira, em 1996, na Rádio Eldorado de São Paulo (atual Estadão).  Passou pelas funções de redação, edição, reportagem e apresentação.

Em 2005, recebeu convite para integrar a equipe de reportagem da Jovem Pan. Participou de inúmeras coberturas e atuou como setorista no Palácio dos Bandeirantes. Desde março de 2016, apresenta o Jornal da Manhã (6hs às 10hs).

Apaixonado por futebol e história das Copas do Mundo, gosta de elaborar séries especiais.

Em 2010, venceu o prêmio Embratel, categoria Reportagem Esportiva, com a série Histórias das Copas, veiculada nos meses que antecederam o mundial na África do Sul.  Em 2011, levou ao ar a série "Vozes do Tri", sobre a conquista da Copa de 70. Em 2012, fez a série "50 anos do bi". Em 2015, produziu "A Copa que nunca acabou", sobre o mundial de 1950. Em 2016, conseguiu reunir os áudios na íntegra dos seis jogos da seleção brasileira em 50. Possui um dos maiores acervos pessoais de vídeos de futebol do país. São 4 mil horas de gravação (2 mil DVDs).

Críticas, sugestões ou correções: tuberreich@gmail.com